Villa-Lobos, a Obra e os Direitos Autorais 50 anos depois de sua morte
Villa-Lobos produziu uma das mais vastas obras musicais que se conhece. De 1908 a 1959 compôs concertos, sinfonias, obras para voz e instrumento solo, bailados, poemas sinfônicos, música de câmara, canções, óperas, oratórios e peças corais. No Museu Villa-Lobos existem mais de mil obras catalogadas. Para se ter uma idéia da magnitude, Bach compôs exatas 1.080 obras, Mozart (que morreu jovem) mais de 600 e Beethoven cerca de 140 peças. Villa era genial e prolífico. Mas os estudiosos de sua obra informam que não era muito organizado nem tinha talento para arquivista. Não guardava ordenadamente suas composições nem gostava de revisar partituras. Preferia dedicar-se inteiramente à composição em que estava trabalhando. Não era como Johan Sebastian Bach, cujos manuscritos são limpos e impecáveis, ainda hoje muito usados por estudantes e músicos profissionais. As cópias eram produzidas em casa pelos seus oito filhos, todos homens e músicos, sob sua supervisão. A casa de Bach era uma usina de fazer música. Villa era chorão, morava num sobrado no Centro do Rio, não teve filhos nem consta que fosse austero como Bach, o grande pai dos músicos.
O resultado, no caso da obra de Villa, são edições com erros de notação, muitos reproduzidos dos originais, e partituras que foram perdidas. Turíbio Santos, ainda um rapazinho de 15 anos, esteve com Villa-Lobos em 1958. Ouviu do mestre o espantoso comentário de que ele, Villa, julgava que o mais bonito Prelúdio para Violão que compôs era o de número seis. Onde está? Sumiu.

Reedição das obras
A Academia Brasileira de Música e o Museu Villa-Lobos iniciaram este ano a digitalização do catálogo disponível. Trabalho longo e cuidadoso, que depende ainda de delicadas negociações com as editoras detentoras de direitos. Nos casos de algumas peças será necessário fazer uma revisão crítica para corrigir edições que reproduziram erros dos manuscritos originais e há ainda os casos das partituras cujos originais desapareceram, impossibilitando consulta e comparação. Esse trabalho minucioso de revisão vem sendo feito desde o ano passado por uma comissão formada pelos compositores Ricardo Tacuchian (presidente da ABM) e Ernani Aguiar, pelo violonista e diretor do Museu Villa-Lobos Turíbio Santos e pelos maestros Henrique Morelenbaum e Roberto Duarte. No entanto, até agora apenas 15 obras foram cedidas pelas editoras que detêm direitos autorais sobre a obra de Villa-Lobos, principalmente as do exterior.
A precariedade de muitas edições dificulta a difusão da obra de Villa e sua execução pelos conjuntos orquestrais nacionais e do exterior. E é enorme o interesse. Villa-Lobos é o compositor brasileiro que mais arrecada direitos autorais no exterior, seguido por Tom Jobim. Villa assinou contratos com diversas editoras. Em todos há cláusula de cessão de direitos patrimoniais pelo prazo de duração da proteção do copyright.

Direitos autorais
Os direitos autorais sobre a obra de Villa-Lobos tinham a proteção por 60 anos desde o seu falecimento e a contar de primeiro de janeiro de 1960. Em 2020, portanto, a obra passaria a ser de domínio público. Mas uma nova lei de direitos autorais no país mudou isso. A Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 aumentou aquele prazo para 70 anos! Agora, só em 2030. Bom para as editoras estrangeiras.
Como disse acima Villa-Lobos é o compositor brasileiro que mais arrecada direitos autorais no exterior pela execução e usos diversos de sua obra (CD, DVD etc). Contudo, apenas 10% do total é repassado para a Academia Brasileira de Música, fundada por Villa e autorizada a receber os recursos. As primeiras obras foram editadas no Brasil pela Empresa Irmãos Vitale e a Casa Athur Napoleão, cujo acervo foi comprado pela Editora Fermata. No exterior, muitas obras foram editadas pela Editora Max Eschig (França) e Ricordi (Itália). Nos EUA a situação é mais complicada. São várias as editoras e há ainda o caso de A Floresta do Amazonas, cujos direitos são reivindicados por uma editora norte-americana sob a alegação de que a música pertenceria à trilha sonora do filme Green Mansions, de 1959 (obscura e fracassada produção rodada nas florestas da Guiana, com Audrey Hepburn e Anthony Perkins no elenco). A editora afirma que teria adquirido definitivamente os direitos sobre a obra. A trilha sonora foi composta, é verdade, por encomenda dos estúdios MGM. Mas o original foi desfigurado por um certo Bronislaw Kaper, que se apoderou da música e a editou para o filme, fazendo alterações e cortes arbitrários. Villa não gostou. Revisou toda a partitura e a relançou como suíte orquestral. Contudo, a editora que reúne o maior número de obras é a francesa Max Eschig. Entre elas os Choros, algumas Bachianas e a Suíte O Descobrimento do Brasil, por exemplo.
Há anos o Museu Villa-Lobos e a Academia Brasileira de Música lutam para preservar, repatriar e receber os direitos autorais sobre a obra de Heitor Villa-Lobos. É um trabalho difícil que vem sendo conduzido com dedicação e competência. Mas há muito a ser feito. Justiça se faça a Turíbio Santos, um pioneiro na defesa de Villa e sua obra genial.

Henrique Marques Porto


Fontes
1) Museu Villa-Lobos
2) Academia Brasileira de Música
3) Henrique Gandelman (advogado contratado pela ABM)
4) Vasco Mariz – “Heitor Villa-Lobos, Compositor Brasileiro”, Ed. Itatiaia-BH

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Para ilustrar, um pouco de música. A belíssima versão do Prelúdio (Modinha) das Bachianas Brasileiras n. 1. A peça é para um conjunto de oito violoncelos -o instrumento de Villa. Nesta versão de 2008 o conjunto é liderado pelo russo Mischa Maisky, que faz o solo, um dos melhores arcos do mundo. Som vigoroso, redondo, golpes de arco precisos, técnica perfeita. O Prelúdio dessas Bachianas é um dos mais belos temas que a obra de Villa-Lobos nos deu. Essa execução foi dedicada à memória do violoncelista Mstislav Rostropovich. Música para ser ouvida com o coração na mão.
Bachianas Brasileiras n. 1 - Prelúdio (Modinha)
Mischa Maisky e Conjuntto de Violoncelos




Comentários

  1. Ficou legal memso esse blog hein? Parabéns, bjs

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  2. Villa-Lobos será que dava oito soluços enquanto compunha?!! Deviam ser seus filhos pródigos, tão bela a sua obra, tão impressionantes estes oito violoncelos como oito pássaros fecundados por orquídeas...
    Tão bela a sua escolha, parabéns e obrigada por seus presentes ao mundo.

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  3. Taí, querida Replicante Raquel, ainda não tinha associado esses oito violoncelos presentes nas Bachianas aos oito filhos de Bach. E escuto essa música há décadas. Por isso é que acredito mais nos poetas do que nos filósofos.
    beijão

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  4. Recomendo uma consultoria jurídica porque eu sou formado em Direito e posso garantir que os direitos autorais são direitos da personalidade e são transmitidos aos herdeiros, pois o prazo de 70 anos é apenas para garantir o direito aos frutos das obras dos ascendentes pelos seus descendentes. Se não houver herdeiros, a obra entra em domínio público imediatamente. A lei estrangeira não se aplica ao Brasil. No território alemão a lei pode prever que os direitos foram comprados pela editora. Nos EUA também é assim, mas, no Brasil toda a obra de Villa-Lobos está em domínio público.

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  5. ERRATA. Após pesquisar mais a fundo, verifiquei que Villa-Lobos deixou a esposa como herdeira. Além disso, a sucessão hereditária colateral vai até o 4º grau (primos). Portanto, a publicação de partituras e a reprodução em qualquer tipo de mídia deve ser autorizada previamente. Por sua vez, a execução pública não depende de autorização e pode ser feita por qualquer pessoa. Nesse caso, há a necessidade de preenchimento do formulário do ECAD e o recolhimento dos respectivos direitos.

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  6. Por fim (espero eu), há a questão dos estudos, monografias e teses acadêmicas que não infringem a lei, bastando citar a fonte ao final do livro na bibliografia. Essa pesquisa pode ser de livros, vídeos etc, que não haverá a violação de direitos autorais. Por exemplo, uma monografia sobre toda a obra de Villa-Lobos estaria protegida sob o manto da pesquisa acadêmica, mesmo que esse trabalho venha a ser publicado e comercializado. Há ainda a questão de que todos os trabalhos acadêmicos estão disponíveis gratuitamente, por expressa determinação legal. Era isso. Acredito ter abrangido todas as vertentes do caso. Abs!

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