Helenice

Todo mundo conhece uma "Helenice". A secretária de algum escritório é "Helenice", a atendente do consultório médico é Helenice, assim como a mocinha do callcenter, a mulher do vizinho e também a mãe daquele amigo que você não vê há muito tempo. Pois esse nome tão comum e gracioso tem uma história curiosa. É mais uma invenção do povo mais criativo que existe na terra para batizar os filhos -o brasileiro. Aqui, Michael vira Maicon numa boa. E quem quereria chamar um filho de mixaéu? A mãe se chama Dora e a avó Alice? Nenhum problema na hora das homenagens. Registra-se a criança com o belo Doralice e todos ficam satisfeitos, inclusive a dona do nome.

Não sei quem foi a primeira "Helenice". Mas, seguramente é carioca ou paulista e tem -se estiver viva- aí por volta dos 73 anos.

Em 1936 chegou ao Rio a francesa Mariette Hélène Delangle. Desde a década de 20 era famosa em seu país e em toda a europa. Sua profissão: dançarina de cabaré. Fazia sucesso pela ousadia de seus números e chegou inclusive a ganhar muito dinheiro e a frequentar ambientes sofisticados. Mulher liberada, fumava em público, dirigia automóvel e colecionava amantes famosos. Entre eles Ettore Bugatti, dono da famosa Scuderie. Mariette não veio ao Rio para dançar. Uma lesão num joelho apressou sua aposentadoria dos palcos. Desembarcou no Rio com sua potente Bugatti para disputar com os marmanjos o desafiador Circuito da Gávea

Eram 11km de corrida em 25 voltas largando da Praça do Jóquei e seguindo por Rua Marquês de São Vicente, parte da Estrada da Gávea, Avenida Niemeyer, Visconde de Albuquerque, fechando uma volta novamente na entrada de Marquês de São Vicente. Esquisitíssimo e acidentado circuito, único na história do automobilismo, cheio de curvas fechadas e ladeiras em pista que alternava paralelepípedo, asfalto, cimento e areia em meio à paisagem deslumbrante do Rio de Janeio de então. Era o mundialmente famoso "Trampolim do Diabo", apelido dado pelo jornalista uruguaio Antonio Fernandez para definir a perigosíssima prova. Mas Mariette Hélène não aposentara o nome artístico e era com ele que corria: Hellé-Nice. Entre um treino e outro escandalizou a sociedade carioca ao ir à praia num provocante duas peças que facilitou o atrevimento impensável para a época de um topless. Hellé-Nice fazia sucesso mesmo correndo entre os retartadários. Mesmo que só fosse á praia. Nas pistas, dava trabalho e era respeitada pelos demais pilotos.

Depois do Rio, foi disputar o Prêmio Cidade de São Paulo. Sofreu gravíssimo acidente. Desviou de algum obstáculo -teria sido de um soldado imprudente ou de algum objeto atirado na pista- e sua Bugatti voou sobre os espectadores, deixando um saldo de quatro mortos e dezenas de feridos. Hellé-Nice ficou em coma por três dias. Seu carro inteiramente destruído. Comoção nacional. Não se falava de outra coisa de norte a sul, principalmente em São Paulo. Foi quando começaram a nascer nossas Helenices.

Mariette Hélène Delangle, ou Hellé-Nice, nasceu com o século, em 1900. Morreu aos 84 anos, esquecida e pobre, vivendo anonimamente de uma aposentadoria como atriz na cidade em que sempre morou, Nice, no sul da França. Talvez sem saber que num certo país abaixo da linha do equador seu nome fora eternizado e até hoje continua a passear faceiro pelas ruas de todas as cidades. 

Comentários

  1. Henrique, interessantíssima a história da Hellé-Nice. Embora ainda tenha pegado alguma coisa do circuito da Gávea, só me lembro vagamente do Pintacuda e do Chico Landi...
    Quanto à criatividade onomástica do brasileiro, o que você me diz dessa novidade, Maicossuel?! Creio que o Juan lhe disse, com muita propriedade, ao pé do ouvido: com um nome desses, não ouse me driblar, a mim, que nem João sou!
    Oscar

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  2. Esse é muito estranho mesmo. Já li em três formas: "Maicossuel", "Maiconsuel" e "Maicon Suel". Será "Maicon" mais "Sueli" em homenagem aos pais? Ou existe alguma celebridade "Michael" com sobrenome, digamos, "Sue"? Vai-se saber...
    abraço

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