Mercedes Sosa



Em outubro de 1973 eu estava em Buenos Aires. A cidade fervilhava politicamente. Mas o ambiente era enganoso e arriscado. Um mês antes ocorrera o sangrento golpe militar no Chile. Era grande o número de exilados chilenos na cidade. Entre eles o clima era de comoção e perplexidade diante da violência irracional e crescente dos militares. Cercada por ditaduras -no Brasil, no Uruguai e no Paraguai- e sob o incerto governo de Juan Perón, a capital argentina parecia uma armadilha, uma arapuca política para qualquer democrata e principalmente para os militantes da esquerda. Os espias e agentes policiais rondavam entre as bandeiras das manifestações de rua e se insinuavam nas assembléias dos estudantes.
A caminho de uma reunião na Faculdade de Medicina passei por uma loja de discos. Dela saía o som de uma voz impressionante que eu nunca tinha ouvido. Majestosa, ampla e bela como os Andes, poderosa como o vôo de um Condor. Perguntei quem era a Orácio, o amigo argentino que me acompanhava.
"-Você não conhece Mercedes Sosa?" -perguntou ele espantado.
Não, não conhecia. A censura brasileira não o permitira. Parado na calçada, com um só sentido funcionando, continuei ouvindo a voz e a canção. Sem muito cuidado conferi quantos pesos tinha no bolso, entrei na loja e comprei o disco. Está comigo até hoje. A canção era Cuando tenga la tierra.
Muita coisa mudou desde então. Todo cambia. Não tanto ou quanto parte daquela geração, que é a minha, sonhou.
Mudou até a emoção daquele encontro inesperado e inesquecível com Mercedes Sosa. Hoje a emoção é maior. Superlativamente maior.

Comentários

  1. Todo cambia. Ah que se renove o sonho e a disposição de se ter a garganta da Terra povoada por vozes amorosas que gostam de embalar os seus pontos cardeais, para que ela acorde e durma em Justiça e Paz, com histórias, crônicas, canções de heróis e passarinhos!Viva,Mercedes Sosa.Viva,Henrique MP.Viva,SONHO!

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